A morte de Ivan Ilitch, Liev Tolstoi— Resumo e comentários à obra

Alisson Machado
8 min readFeb 17, 2021

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L’homme blessé de Gustave Courbet

A morte de Ivan Ilitch é um conto de aproximadamente 70 páginas, escrito no século XIX pelo renomado autor russo Liev Tolstói, a obra retrata, como o título já infere, a morte de Ivan Ilitch e o drama existencial vivido pela personagem ao se aproximar do encerramento de sua vida.

A obra começa com um grupo de magistrados reunidos durante o intervalo de um julgamento, nesse momento recebem por meio de um colega que chega trazendo um jornal, a notícia do falecimento de Ivan, que era colega de trabalho destes senhores. Nesse primeiro momento da história, temos contato com os pensamentos dos colegas reunidos, e duas ideias prevalecem em todos, (1) a de que agora existia um cargo livre que poderia ser ocupado por eles ou por alguém que eles indicassem, (2) e o pensamento de “antes ele do que eu”.

Com isso, temos contato com um traço fundamental do Realismo — movimento literário do qual faz parte o autor, e que tem como principal objetivo, a retratação da realidade e a demonstração da vileza do homem e de seus pensamentos — e que irá perpassar a obra em vários momentos, mesclando a descrição da realidade e o aprofundamento psicológico feito por um narrador em terceira pessoa e onisciente.

Após a notícia dada, passamos para a perspectiva de Piotr Ivanovich, colega de trabalho que conhecera Ivan na infância e que cursara com ele a faculdade de direito. Piotr se dirige para a casa da família, chegando lá, ele primeiro vê Schwarz, um colega em comum com o falecido, e ele o chama para um jogo de cartas dali a pouco na casa de um terceiro colega, enquanto eles conversam e caminham, Piotr entra no cômodo com o defunto, e fica sem saber o que fazer, então começa a fazer consecutivamente o sinal da cruz, até que a viúva de Ivan aparece, reconhece Piotr e o chama para conversar. A mulher se mostra abalada e tenta conter as emoções, os dois se retiram para outro cômodo e começam a conversar. A viúva, comenta sobre a pensão que receberia, e se mostra conhecedora de todos os tramites e detalhes do processo, e pergunta à Piotr se não havia como fazer com que ela fosse de maior valor — momento em que se evidencia o realismo da obra, quando a viúva no funeral, demonstra seu enorme interesse na pensão que viria receber — além de comentar que nos últimos três dias que precederam a morte, o marido tinha estado em agonia e gritando incessantemente, e novamente, quebrando a expectativa, ela diz que mesmo estando no quarto mais distante da casa, o marido ainda incomodava-a com seus gritos.

O rapaz diz que não há o que se possa fazer, e se retira do quarto, vê que ainda há tempo para se encontrar com os colegas e bater um carteado. A participação dele se encerra com ele se despedindo do defunto, saindo da casa, entrando na charrete chamada pelo mordomo da família e chegando na casa dos colegas para a jogatina.

Da adolescência aos problemas financeiros e conjugais

Depois disso, há uma regressão no tempo, e temos uma biografia resumida de Ivan Ilitch, era filho de um funcionário público, e o segundo dos três rapazes que o homem havia tido. Seu irmão mais velho era exemplar no que fazia, o mais novo, era o extremo oposto, era voltado aos prazeres do mundo, e ele, o do meio, era muito similar ao pai. Na escola foi bom aluno, cumpria os deveres, entrou na faculdade de direito para seguir os passos do pai, pois desejava a mesma vida medíocre. E assim o fez, na faculdade teve alguns momentos em que se voltou aos prazeres sensíveis, mas logo retomou as rédeas e continuou a busca por seu objetivo. O pai fazendo uso da influência que tinha, conseguiu um cargo público, em que o rapaz trabalharia para o governador da província local, e responderia diretamente ao mesmo. E assim se inicia o primeiro trabalho da vida de Ivan, e novamente ocorre a exposição de seu pensamento, em que o rapaz gostava de seu cargo, pois nele se sentia superior ao ter contato direto com a figura máxima do poder local.

Durante o período em que esteve estudando direito, envolveu-se com uma mulher, mas não levou a relação adiante. Quando era funcionário público, desenvolveu disciplina metódica, em que tinha hora certa de trabalho e de vida social, nas horas dedicadas à vida social, se encontrava com amigos em sessões de jogos e de dança, num desses encontros, conhece Prascóvia Fiódorvna, moça com quem se envolve sem futuras pretensões, mas que ao repensar e notar que a moça era de boa família, possuía mesma condição social, e beleza superior as demais moças de seu círculo social, decide casar.

Então casam-se e Prascóvia engravida, nesse momento de gravidez começam a aparecer as consequências de um casamento feito não por amor, mas por beleza corporal e dinheiro. O casal perde todo a paixão que tinham enquanto namorados, e as discussões por coisas frívolas passam a ser constantes.

Ivan recebe a proposta de ser um “juiz auxiliar” noutra cidade, e aceita de imediato, mas pouco tempo depois, a decisão acaba se mostrando problemática, pois a família havia se mudado para uma cidade com custo de vida mais elevado e as contas da família passam a ficar apertadas, pois o salário antes dedicado a sustentar Ivan, agora tem de sustentar a esposa e a filha recém-nascida. Com isso, Ivan contraí dívidas para tentar manter a qualidade de vida, até que em dado momento, para aliviar a cabeça dos problemas das dívidas e das constantes discussões desnecessárias com a esposa, eles saem de férias para a casa do cunhado de Ivan. Lá, em pouco tempo, o homem acostumado a rotina inalterável, passa por sua primeira experiência na vida de tédio. Durante esse ócio, tem a ideia de ir até Petersburgo falar com um conhecido que agora passara a exercer um elevado cargo público, para pedir uma indicação a qualquer emprego que lhe rendesse o necessário para não mais se endividar.

A mudança e o acidente

Ivan comunica os familiares da ideia, e logo parte para encontrar o conhecido que poderia ajudá-lo.

Chega ao encontro, e diz logo o que quer, e para a surpresa do nosso protagonista, ele recebe a notícia de que o colega conseguirá um elevado cargo no ministério que Ivan já fazia parte, além de que iria receber uma auxílio para que se mudasse com a família para a cidade.

Ivan avisa a família da boa notícia, ele e a esposa passam por um período de amor em que entram em profunda sintonia, e terminam a crise iniciada na gravidez e que se encerrava agora anos depois com a filha já adolescente e o filho já em tenra idade. Ele e Prascóvia planejam a nova vida e ele parte para preparar tudo que precisavam na nova cidade. Encontra uma casa que era de acordo com as expectativas dos casal, faz compras para decorar a casa e ajuda a reforma da casa.

Durante a reforma, enquanto estava sobre uma escada, pisa em falso e cai da mesma, por ter bom porte físico, consegue evitar uma queda mortal e acabe batendo lateralmente na moldura da janela.

A família chega na casa e se apaixona pelo local, Ivan conta para a esposa do acidente que poderia tê-lo matado, mas que deixou apenas uma dor interna e um hematoma no local da pancada.

A vida da família continua, eles adentram em novos círculos de amizade na cidade, e evitam o relacionamento com familiares e outros de classe mais baixa. O trabalho de juiz vai sendo levado por Ivan pois servia como distração para sua cabeça, e em casa, sua atividade preferida era a de dar jantares para os colegas.

Pouco após essa chegada, Ivan começa a sentir dores que num primeiro momento não passam de um leve incômodo. Mas esse pequeno incômodo na vida de um homem metódico, afeta seu humor, e logo a relação com a esposa decaí, e ele passa a preferir ficar no tribunal ou trancado no escritório lendo processos ou romances, do que estar com os filhos.

O tempo vai passando e a dor passa a se intensificar, e Ivan decide ir ao médico. O médico dá várias possibilidades, e a principal é a de que o rim de Ivan havia sofrido um deslocamento que afetava todo o corpo.

As dores e os sintomas do problema vão ficando cada vez mais forte, Ivan começa a ter a vida cada vez mais afetada pelas dores, a mulher finge ser uma bobeira, e a relação entre os dois começa a ir de mal à pior.

O tempo vai passando, até chegar o ponto que Ivan não consegue exercer mais seu cargo de magistrado, a esposa continua tentando amenizar o problema para se auto-enganar, e acaba por irritar cada vez mais o marido.

As visitas aos mais diversos médicos tornam-se constantes. Os colegas notam a mudança física ocorrida em Ivan, que tivera toda a fisionomia alterada pelo doença.

O desespero perante o fim

Ivan passa a querer cada vez mais ficar sozinho, e se importa apenas com a visita do mordomo noturno, o qual ele vê como sendo a única pessoa que se importa realmente com ele, e que não tenta fingir que o problema não é grave e que logo passará.

Ivan começa a perder os movimentos, passa a se irritar com os familiares e colegas que continuam com a mentira da situação dele ter solução e o mordomo/cuidador passa a ser a única pessoa relevante na vida de Ivan.

Durante esse período em que a doença se agrava, começa a constante reflexão sobre a vida medíocre que teve durante seus 45 anos, além do desespero e incapacidade de lidar com a morte. Em dado momento, Ivan passa a ter um diálogo com uma voz interior, e durante esse diálogo ele nota que a alegria que ele desejava naquele momento, ele jamais havia tido. Pois em toda sua vida, exceto na infância, ele jamais havia sido feliz, suas escolhas foram feitas de maneira utilitária visando aquele objetivo de vida medíocre. E agora, quando nota que a vida se esvaece, ele entra em desespero por não ter vivido realmente.

A personagem passa a se questionar e tentar encontrar respostas para o motivo de ele estar naquela situação, pensa na efemeridade da vida, pensa que a morte é algo sempre falado, mas que não pensamos que chegará para nós.

A partir desse ponto, o personagem entra quase que em uma crise existencial, a qual se aprofunda cada vez mais até pouco antes de seu fim.

Nos seus últimos dias de vida, a mulher convence-o a receber a extrema-unção, ele parece melhorar, ma pouco depois entra na crise já citada, em que passou 3 dias gritando e se debatendo ininterruptamente até desfalecer.

Durante esses três dias, a personagem passa por uma grande mudança, do desespero perante a morte, chega à aceitação do fim e breves momentos antes de ir ele nota que o desespero das más escolhas que tomou, já não mais importam, e que ele deve aceitar o que fez, e rumar para o seu destino.

Conclusões

A obra de Tolstói, mesmo que curta, passa ideias importantíssimas. Em 70 páginas, o autor condensa e passa ao leitor uma reflexão sobre (1)a efemeridade da vida, a qual por uma simples bobeira pode acabar, (2) a importância de se buscar a vida feliz e de não tentar ficar preso numa mediocridade momentânea que o levará a se arrepender no futuro quando não mais puder mudar as coisas, (3) a impotência do homem perante a morte, diante da qual, só nos é possível aceitar.

Dessa forma, o pequeno conto serve como uma grande reflexão à respeito da vida e, de certa forma, “ dá um chacoalhão” no leitor, que faz com que olhemos para o que fizemos e o que faremos para que quando cheguemos ao fim, não tenhamos os mesmos arrependimentos que Ilitch teve.

Mudemos agora enquanto há tempo, pois a certeza do amanhã, não há quem a tenha.

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